Durante
os dias 24 e 25 de Julho foi realizada a etapa regional do Fórum
Social da Universidade Federal do Sul da Bahia – UFSB, no bairro de
São Caetano, Itabuna. O evento reuniu docentes, pesquisadores,
servidores, estudantes da UFSB e diversos segmentos da sociedade
civil. A TEIA de AGROECOLOGIA dos POVOS esteve presente, junto com
Pataxó Hã hã hãe, Tupinambá de Olivença, quilombolas,
comunidades de terreiro e assentados de reforma agrária.
Grupos culturais
como o grupo Bicho Caçador e Volta da Jiboia fizeram a abertura do
Fórum Social. Para
Naomar Almeida, reitor
pro tempore da UFSB, o objetivo do fórum foi promover um espaço de
diálogo e escuta dos diferentes setores da sociedade. Para nós da TEIA,
o momento foi importante pois estivemos juntos mais uma vez somando forças para lutar por uma
educação de qualidade no território.
Kaique, da aldeia
Caramuru Catarina-Paraguaçu, falou da importância de vir para o Fórum pois pode perceber como a
cultura do
quilombo têm traços
parecidos com sua cultura, “outros lugares também
têm cultura, que não
é só na aldeia.” O
jovem indígena Pataxó Hã hã hãe, afirmou também que em eventos
como esse é importante fazer amizade e “ter convivência com
as pessoas de outros lugares.”
Após a abertura foi explicado
sobre o Conselho Estratégico Social da UFSB - uma instância de
participação social, por onde as demandas da sociedade podem
ultrapassar os muros da Universidade, direcionando suas ações para
o desenvolvimento regional. Atualmente, os prefeitos das três
cidades onde a UFSB atua têm cadeiras permanentes, bem como a
CEPLAC, doadora de um terreno para construção do campus.
No período da tarde, cada segmento social se reuniu para dialogar sobre suas demandas. A ideia era escutar as especificidades de cada setor, escolher prioridades de ações e eleger as/os delegadas/os responsáveis por defender as propostas na etapa final, à ser realizada entre 16 e 19 de Setembro, em Porto Seguro. A TEIA esteve presente para apresentar seu projeto de desenvolvimento sócio econômico agroecológico e solidário aos diversos segmentos ali reunidos, à saber: Movimentos Sociais do Campo, Educação Básica, Ensino Superior e Pesquisa, Juventude, Comunidades Afro-brasileiras, Povos Indígenas dentre outros.
A UFSB
tem o proposito de ser uma universidade onde 80% dos estudantes serão
da região Sul da Bahia. Para realizar este meta, a UFSB esta desenvolvendo a
estrategia de implantação de Colégios
Universitários (CUNI) em parceria com a Secretaria Estadual da
Educação (SEC-Ba) nos municípios com mais de 20 mil habitantes. Já foram implantados 5 CUNIs e o planejamento é implantar
mais 28 nos próximos 5 anos.
Visando dar seguimento a este processo de expansão, foi realizado no turno da noite uma audiência pública para escutar a sociedade presente sobre os locais de implantação dos CUNIs. Durante este espaço, a TEIA apresentou a necessidade da universidade priorizar as populações das aldeias, dos quilombos e das comunidades rurais na implantação dos próximos colégios universitários. Tendo em vista a conjuntura de amplo fechamento das Escolas no campo, a recusa em priorizar tais populações em suas ações poderá dificultar a chegada dos CUNIs no território.
Durante todo o dia alguns produtos do Assentamento Terra Vista estiverem à venda para todos que participavam do Fórum. Dentre os produtos o chocolate agroecologico do assentamento foi o mais procurado por quem estava de passagem pelo local.
***
O segundo dia começou com um painel temático “Desenvolvimento regional e
sustentabilidade: águas, Mata Atlântica e empreendedorismo de
impacto”, onde Joelson Ferreira apresentou a proposta de
desenvolvimento sócio econômico da Teia, que resgata a força do
cultivo do cacau cabruca como forma de preservação ambiental de
outras especies. Essas especies estão cada vez mais ameaçadas,
devido ao desmatamento causado pela pecuária intensiva, “se não
fizermos nada o pé do boi pode acabar com toda a riqueza dessa
região e causar até uma grande seca aqui no Sul da Bahia”. Ele
convocou a todos os presentes para se juntarem numa perspectiva de
cuidado da natureza, dos rios, das matas, das florestas e das
sementes, que envolve a recuperação de 200 mil ha de Cacau Cabruca
e reflorestamento de 200 mil ha através de SAFs.
Ainda
durante o painel foi apresentada a proposta da realização de obras
de infraestrutura, que apresentam-se como prerrogativa de aumentar o desenvolvimento
da região, dentre elas estava o Porto Sul, que servirá de porta de
saída para a exportação do minério de ferro das minas no
município de Caetité, Bahia. Essa proposta veio vestida de solução para outros problemas como de saúde, educação e
violência que os municípios como Itabuna, Ilhéus e Teixeira de
Freitas estão enfrentando.
Para a Teia, esses projetos em nada contribuem para a sustentabilidade no território, visto que causam impacto ao meio ambiente promovendo grande desmatamento, precárização do trabalho, além de expulsar as comunidades que tradicionalmente ocupam os locais onde os mega projetos pretendem se instalar.
Para a Teia, esses projetos em nada contribuem para a sustentabilidade no território, visto que causam impacto ao meio ambiente promovendo grande desmatamento, precárização do trabalho, além de expulsar as comunidades que tradicionalmente ocupam os locais onde os mega projetos pretendem se instalar.
Quando
foram abertas as falas para intervenções, Adalto Tupinambá -
morador da aldeia Água Vermelha em Itaju do Colônia, lembrou a
todas/os presentes que esta política de exploração do territórios
não tem nada de novo. Desde 1833, já havia sido regulamentado que
as comunidades que ocupam estes territórios deveriam ser removidas
integralmente ou parcialmente.
Egnaldo França, agente de sáude e
membro do Movimento Negro de Itabuna, alertou que “É muito fácil
e bonito falar da necessidade de discutir os problemas de saúde e
violência em Itabuna por quem está no ar condicionado. É preciso
estar lá no dia a dia na periferia para entender quem realmente é
vítima. Muitas dessas pessoas são meus parentes, vizinhos e amigos
de infância. Quando uma pessoa pega leishmaniose é por que seu pai
e seu avô foram vítima de emboscadas, caxixes, exploração e outras formas de opressão que expulsaram-na da terra, tendo como destino as periferias, sem saneamento básico e sem
acesso as políticas sócias.”
O Eng.º
Agrônomo, Drº Manoel Donato de Almeida ressaltou a necessidade de
reconstrução da cultura do cacau em outras bases. “Já fomos um
dos maiores produtores de cacau do mundo, mas tudo isso em troca do
desmatamento, do assassinato dos povos tradicionais, da devastação
da matas ciliares. Temos que dar um grande grito de basta! Repensar em tudo isso e começar de novo, com outras ideias.”
Para Camila, do assentamento Terra Vista, foi importante terem sido apresentadas essas propostas durante o Fórum Social pois, “assim, os inimigos do povos deixam claro qual o projeto deles e nós deixamos claro qual a nossa - nos unir para nos defender e enfrentá-los.”
Daniela
Galdino, profª da UNEB e poeta, enriqueceu a discussão ao declamar
o poema “Morte do Leiteiro” de Carlos Drummond de Andrade. A partir do poema é possíve estabelecer relação com a criminalização dos movimentos socias, principais atores na transformação da sociedade.
Há muita sede no país,
é preciso entregá-lo cedo.
Há no país uma legenda,
que ladrão se mata com tiro.
Então o
moço que é leiteiro
de madrugada com sua lata
sai correndo e distribuindo
leite bom para gente ruim.
Sua lata, suas garrafas
e seus sapatos de borracha
vão dizendo aos homens no sono
que alguém acordou cedinho
e veio do último subúrbio
trazer o leite mais frio
e mais alvo da melhor vaca
para todos criarem força
na luta brava da cidade.
de madrugada com sua lata
sai correndo e distribuindo
leite bom para gente ruim.
Sua lata, suas garrafas
e seus sapatos de borracha
vão dizendo aos homens no sono
que alguém acordou cedinho
e veio do último subúrbio
trazer o leite mais frio
e mais alvo da melhor vaca
para todos criarem força
na luta brava da cidade.
Na mão a garrafa branca
não tem tempo de dizer
as coisas que lhe atribuo
nem o moço leiteiro ignaro.
morador na Rua Namur,
empregado no entreposto
Com 21 anos de idade,
sabe lá o que seja impulso
de humana compreensão.
E já que tem pressa, o corpo
vai deixando à beira das casas
uma apenas mercadoria.
E como a
porta dos fundos
também escondesse gente
que aspira ao pouco de leite
disponível em nosso tempo,
avancemos por esse beco,
peguemos o corredor,
depositemos o litro…
Sem fazer barulho, é claro,
que barulho nada resolve.
também escondesse gente
que aspira ao pouco de leite
disponível em nosso tempo,
avancemos por esse beco,
peguemos o corredor,
depositemos o litro…
Sem fazer barulho, é claro,
que barulho nada resolve.
Meu leiteiro tão sutil
de passo maneiro e leve,
antes desliza que marcha.
É certo que algum rumor
sempre se faz: passo errado,
vaso de flor no caminho,
cão latindo por princípio,
ou um gato quizilento.
E há sempre um senhor que acorda,
resmunga e torna a dormir.
Mas este entrou em pânico
(ladrões infestam o bairro),
não quis saber de mais nada.
O revólver da gaveta
saltou para sua mão.
Ladrão? se pega com tiro.
Os tiros na madrugada
liquidaram meu leiteiro.
Se era noivo, se era virgem,
se era alegre, se era bom,
não sei,
é tarde para saber.
Mas o homem perdeu o sono
de todo, e foge pra rua.
Meu Deus, matei um inocente.
Bala que mata gatuno
também serve pra furtar
a vida de nosso irmão.
Quem quiser que chame médico,
polícia não bota a mão
neste filho de meu pai.
Está salva a propriedade.
A noite geral prossegue,
a manhã custa a chegar,
mas o leiteiro
estatelado, ao relento,
perdeu a pressa que tinha.
Da garrafa estilhaçada.
no ladrilho já sereno
escorre uma coisa espessa
que é leite, sangue… não sei
Por entre objetos confusos,
mal redimidos da noite,
duas cores se procuram,
suavemente se tocam,
amorosamente se enlaçam,
formando um terceiro tom
a que chamamos aurora.
Ao final do Fórum
Joelson Ferreira, alertou que as expectativas com a chegada da UFSB
são muitas, mas seu papel de transformar a realidade no território
deve ser disputado nas diversas instância da instituição, no
Conselho, nas pesquisas e nos próximos Colégios Universitários. Concluiu relembrando sobre a necessidade de ocupar o latifúndio da educação superior. “Estamos educando os nossos
filhos e nossos parentes para não aceitar mais ser escravo ou ter um
salário de miséria. Aos antigos latifundiários avisamos: seus dias
de perversão estão chegando ao fim. Estamos unidos, quilombolas,
indígenas, assentados, acampados e o povo nas favelas e periferias,
e vamos nos preparar para a guerra de defesa da Mata Atlântica e da
natureza."
Diga ao povo que avance...
Avançaremos!
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